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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

APROVEITAR A VIDA E SUAS DORES - Contardo Calligaris



Com frequência, em conversas e entrevistas, alguém me pergunta o que penso da felicidade -obviamente, na esperança de que eu espinafre esse "ideal dominante" de nossos tempos.
Na verdade, não sei se a felicidade é mesmo um ideal dominante.
Claro, o casal e a família felizes são estereótipos triviais: "Com esta margarina ou com este carro sua vida se abrirá num sorriso de 'folder' ou de comercial". Mas ninguém leva isso a sério, nem os que declaram que tudo o que querem é ser felizes.
Se alguém levasse a busca da felicidade a sério, ele se drogaria, e não com remédios ou substâncias de efeito incerto e insuficiente: só crack ou heroína -tiros certeiros.
O que resta é a felicidade como tentação, como uma vontade de cair fora, compreensível quando a vida nos castiga muito. Fora isso, minha aspiração dominante não é a de ser feliz: quero viver o que der e vier, comédias, tangos e também tragédias -quanto mais plenamente possível, sem covardia.
Meu ideal de vida é a variedade e a intensidade das experiências, sejam elas alegres ou penosas.
Há indivíduos que pedem para ser medicados preventivamente, de maneira a evitar a dor de um luto iminente. É o contrário do que eu valorizo; penso como Roland Barthes: "Luto. Impossibilidade -indignidade- de confiar a uma droga -sob pretexto de depressão- o sofrimento, como se ele fosse uma doença, uma 'possessão' -uma alienação (algo que nos torna estrangeiros)- enquanto ele é um bem essencial, íntimo...".
O trecho está na pág. 159 de "Diário de Luto", que acaba de ser publicado em português (WMF Martins Fontes, excelente tradução de Leyla Perrone-Moisés).
São as fichas nas quais Barthes registrou sua dor entre outubro de 1977 (a morte da mãe) e setembro de 1979 (poucos meses antes de ele mesmo sofrer um atropelamento cujas consequências seriam fatais).
Logo nestes dias, um amigo meu, Paulo V., está perdendo seu pai. Ele me escreve, consternado, que "nada sobrará" do pai: uma cadeira vazia, gavetas de roupas e papéis e que mais? A lembrança se perderá com a vida do filho, que não lhe deu netos e de quem também nada sobrará. A resposta que encontro, para meu amigo, é uma questão: por que uma vida não se bastaria, mesmo que não sobre nada e, a médio prazo, ninguém se lembre?
Barthes se pergunta se ele estaria escrevendo "para combater a dilaceração do esquecimento na medida que ele se anuncia como absoluto. O -em breve- 'nenhum rastro', em parte alguma, em ninguém" (pág. 110). Mas suas anotações não são um monumento fúnebre para a mãe.
Para Barthes, escrever é o jeito de abraçar a experiência, de vivê-la plenamente. Ele se revolta contra as distrações e as explicações consolatórias dos amigos; recusa as teorias que lhe prometeriam um bom decurso de seu luto ("Não dizer luto. É psicanalítico demais. Não estou de luto. Estou triste") e foge, embora a contragosto, das crenças que apaziguariam a dor ("que barbárie não acreditar nas almas -na imortalidade das almas! Que verdade imbecil é o materialismo!").
Enfim, Barthes chega quase a recear que o luto acabe, como se, além da mãe adorada, ele temesse perder também, aos poucos, sua experiência dessa perda.
Meses depois da morte dos meus pais, havia momentos em que eu lamentava que meus afetos e pensamentos voltassem "ao normal", como se minha vida fosse mais pobre sem aquela dor. E havia outros em que, de repente, um detalhe me fisgava, até às lágrimas. Esses momentos eu acolhia com alegria.
Como Barthes anota, a dor do luto pode deixar de ser o afeto dominante, mas ela sempre volta, com a mesma força: "O luto não se desgasta porque não é contínuo" (pág. 92).
Falando em "detalhes" que fisgam, as anotações de Barthes reabriram a ferida de quando ele morreu, mais de 30 anos atrás.
De que sinto mais falta? Do timbre de sua voz e de duas coisas que, de uma certa forma, faziam parte do timbre de sua voz.
Sinto falta de seu gosto pela inconsistência das ideias e dos saberes ("proporcionalmente à consistência desse sistema, sinto-me excluído dele", pág. 73).
E sinto falta de sua coragem para falar a partir da singularidade de sua experiência, sem a menor pretensão de erigi-la numa generalidade que valha para os outros.
Em suma, sinto falta dele, mas não é só que eu sinto falta dele, é que ele, ainda hoje, faz falta.


trecho do blog

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A SEDUÇÃO DO EXTERIOR EXPLICADA NO BLOG ABAIXO

O VIDRO


No café, uma libélula investe contra a ampla vidraça. Lá fora há carros estacionados, candeeiros discretos, árvores em tímida agitação. A libélula descansa durante alguns segundos, até voltar ao frenesi de quem procura atirar-se para dentro de um mundo próximo e, em simultâneo, inacessível.


A realidade não exige sentido, explicação nem emenda. Encontra-se por aí, absolutamente inexprimível em si mesma. As palavras emergem, num milagre sem autor definido. Erguem um vidro resistente. Compor o texto é percorrer o vidro. Temos a crença de que as coisas se deixam atrair pelo exercício do verbo.


Paramos a ler as sílabas ajustadas à ilusão. E regressamos à escrita. O exterior seduz teimosamente. Rouba-nos o sossego de existir.




 deste blog

Divina Comédia: O VIDRO

Divina Comédia: O VIDRO: No café, uma libélula investe contra a ampla vidraça. Lá fora há carros estacionados, candeeiros discretos, árvores em tímida agitaçã...

domingo, 25 de setembro de 2011

o que se faz com uma pessoa assim?




Resultado de imagem para raiva


Não entendo porque aqui no Brasil, seja em escadas rolantes ou em filas onde há espaço para os desistentes, as pessoas ainda insistem em permanecer "plantadas" ao lado esquerdo, impedindo a passagem de quem escolhe se adiantar (seja por qualquer motivo, aqui não é o caso).
Hoje, ao entrar num parque onde costumo caminhar, havia um carro à minha frente na área para o estacionamento e eu, percebendo que já havia 2 vagas desocupadas, saí do meu carro e avisei o motorista da frente que poderia seguir para estacionar, assim eu poderia fazer o mesmo. O tipo me disse que hoje era domingo e que não estava com pressa, e consequentemente não liberou a passagem.

(pausa para respirar)

O que vc diz a uma observação dessa? Bem, eu disse que apesar de ser domingo eu queria estacionar. Ele disse que não ia sair dali, para eu chamar o guarda. No que eu desci do meu carro e fui em busca de um guarda, claro que as pessoas que estavam atrás de mim começaram a buzinar alucinadas, com razão. Então, percebendo o problema, desisti do meu intento, voltei imediatamente, para ver que o tipo já havia se mexido e estacionado no primeiro lugar que achou. Eu também estacionei e fui procurar o guarda, para encontrar o fulano já falando com ele. Depois de eu explicar tudo (sendo interrompida pelo tipinho a toda hora) o guarda pediu minha placa, nome e telefone (que eu dei sem vacilar, juntamente com a placa do imbecil).

Há homens que só são valentes quando se deparam com uma mulher sozinha. Ao serem ameaçados pela presença de um guarda, correm para agir com bom senso. Covardes!
A sorte é que já estou na descida da montanha russa da vida. Se eu fosse mais jovem, nem sei o que teria acontecido.

Ah! Esqueci-me de dizer que o tipo mandou eu fazer um B.O. caso quisesse.

Coitadas das mulheres que ainda preferem se sujeitar a enfrentar esses cancros da sociedade!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

MINHA ALMA É SIMPLES




Percebo mais a cada dia que a minha alma é simples. Não gosto de complicar o que pode ser sentido de maneira direta e simples. Nem poesia complicada eu gosto. Os poetas que me encantam são Mario Quintana, Alberto Caeiro, Guilherme de Almeida e alguns poucos mais. Para viver a arte não quero usar o cérebro, fazer cálculos e raciocinar para chegar a conclusões. Na apreciação do belo, daquilo que me enleva, a simplicidade é fundamental. O sentimento chega de forma direta, sem uso do cérebro. Há um canal (alguns costumam chamar de intuição) que capta diretamente da fonte a beleza da arte. É simples. Quando eu quiser fazer exercício mental para fortalecer o cérebro, existem as palavras cruzadas, o sudoku, etc. Para ver a beleza, preciso da simplicidade.



imagem obtida daqui




domingo, 11 de setembro de 2011

To Sufferers From Nervous Depression

John Singer Sargent, Seascape, 1875 (via)
[prompted by vulgivagus’s word suggestion: “water”]





‘It’s very well to go down for six Weeks into the Country by yourself, to give up Tobacco and Stimulants, and to live the whole Day, so to speak, in the open Air; but all this will do you no Good, unless you cultivate a cheerful Frame of Mind, and take a lively view of Things.’


Punch Cartoon published on May 1, 1869


Não adianta nada dizer a uma pessoa em depressão: "Oh! Veja que dia lindo! O sol está brilhando tanto! Por que você não vai dar uma voltinha e tomar um ar?"

Para essa pessoa, o que você diz é um zero à esquerda.

Portanto, parem de querer levantar o astral do depressivo. Não é por aí. O buraco é mais embaixo...

imagem daqui (obrigada, Mariana)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Aceitar que já não é hora de voar alto, embora a cabeça ainda esteja a mil...